quinta-feira, 24 de março de 2005

Sem ti não sei viver...



Estava aqui a pensar...

A cena de sermos de um clube de futebol a vida toda é realmente estranha.

É que não se conhece ninguém, no seu perfeito juízo, que durante a sua vida, depois de ter "optado" por ser de um determinado clube, ter conseguido mudar para outro. É que não se trata de uma questão de opção, é que não conseguimos mudar, mesmo que queiramos! É deveras bizarro e enervante não termos poder de controle sobre uma decisão aparentemente tão simples como esta.

Existe um período na nossa vida em que isso ainda parece ser possível, e até é possível. É aquele período entre os 7 e 13/14 anos de idade sensivelmente (pode variar). Nesta fase ainda hesitamos e mudamos, por vezes serve apenas para chatear os amigos, outras porque temos realmente dúvidas sinceras que nos atormentam interiormente "Será que este clube é mesmo o melhor? Será que vou escolher bem? Hoje os outros jogaram tão bem... mas eu já tinha decidido que gostava mais destes... Aquele jogador é mesmo muito bom, gosto do bigode e do estilo de jogo dele, tem uns dribles fantásticos mas é da equipa rival daquela que eu mais gostava na semana passada... E o equipamento é mesmo baril! Hoje perdemos e jogamos mesmo mal, vou ser humilhado pelos meus amigos... quem me dera ser do outro clube que ganhou, esses é que são bons!".

É que se trata de uma decisão para a vida toda, é uma decisão que tem que ser tomada com ponderação e certeza, não é uma decisão que se tome de ânimo leve, portanto todos estes avanços e recuos são compreensíveis e desculpáveis. Porque depois... depois deste período conturbado na vida de qualquer pessoa que tenha que passar por ele, meus amigos... é até morrer! Nem que nos inflijam as mais inimagináveis torturas. Nós já escolhemos, não há nada a fazer, não conseguimos voltar atrás. Aos 25 anos percebemos que o equipamento da equipa rival até é mais bonito e que se fossemos dessa equipa gastávamos menos dinheiro e tínhamos menos chatices com os transportes em dia de jogo porque o estádio deles fica mais perto da nossa casa e até podiamos ir a pé? Tarde demais!!! Tivessemos ponderado mais na devida altura. Já não existe nada a fazer. Não há remédio para isto.

Depois ainda existe a fase mais inicial da nossa vida em que só para contrariarmos o desejo do nosso pai (a mãe geralmente é mais imparcial) dizemos que somos da equipa contrária àquela que o nosso pai nos tenta convencer que é a melhor. A equipa do coração do nosso pai, a equipa a que ele está aprisionado para o resto da sua vida. E mesmo assim tenta que nós a partilhemos com ele. A angústia de não ter alguém com quem partilhar a sua cela solitária. Em desepero de causa cola a nossa fotografia com 3 meses de idade num cartão de sócio do clube. Por vezes já aderimos a uma sociedade futebolística antes mesmo de sairmos do quentinho do útero. Sócios à força. Até nos leva a ver os jogos ao estádio e tudo. É como se nos tentassem converter a uma religião contra a nossa vontade, sem nós conhecermos nada, entramos naquela catedral e ficamos contagiados. "ALELUIA É GOLO!!! Viste filho? Aquele senhor de bigode deu um pontapé com força e meteu a bola dentro da baliza!! Não é espectacular???!!! Hã!? Hã!?" É como aquele familiar que nos levava à igreja em putos para nos incutir o gosto pelo sagrado espirito santo. Naquela idade só dá mesmo vontade de contrariar.

E depois ainda existem aqueles que nunca gostaram de futebol e que na flor da vida decidem entrar nesta cela e atirar a chave pela janela. Não compreendo...

Os políticos mudam de cor política, as pessoas mudam de emprego e de religião, casam, zangam-se e divorciam-se, apaixonam-se, desapaixonam-se, mas no futebol não existem divórcios, nem sequer separações, perdoamos tudo ao nosso clube, podemos ficar zangados, amuados, mas nunca vamos conseguir tomar a decisão fatal: "Fartei-me! amanhã vou ser dos outros gajos que até jogam melhor e ganham campeonatos!". Porventura podemos perder algum interesse pelo clube do nosso coração e pelo jogo em si, mas mudar de clube?? NUNCA!

Os jogadores do nosso clube fazem merda da grossa? Não interessa! Insultamos as mães dos jogadores sem estas se encontrarem presentes, agitamos uns quantos lenços brancos e já está, aparecem outros nos seus lugares que vestem a camisola do nosso clube! Os reforços de início de campeonato! Carninha fresca! Ahhhh! Isso sim, a camisola do nosso clube! Isso é que interessa. O recheio da camisola é apenas um conjunto de ossos, carne e vísceras... e duas pernas para pontapear a bola, claro! Ama-se o jogador até que ele vista a camisola de outro clube. Traidor!

Mas nesta altura de início de campeonato damos connosco a pensar: "Com estes jogadores é que vai ser, vêm fresquinhos, tudo pode acontecer! Grandes promessas do futebol internacional!! Lembram-se do argentino Canígia que veio para o glorioso? Pois! Mas nesta altura até podemos ganhar todas as competições! É mesmo possível! Nós acreditamos nisso! Vamos jogar muito bem! Vamos ser fantásticos! Esta é a fase de início de campeonato onde tudo é possível! A pré-época, onde a esperança pelo nosso clube está no auge. Os jogadores novos parecem-nos verdadeiros Clark Kents, escondem um potencial de Super-Homens com um poder absolutamente incrível! A kriptonite não existe em lado algum deste universo. Estes monstros estão prestes a rebentar! Não vemos a hora de os ver humilhar os outros clubes dentro de campo com os seus super poderes. Até sentimos pena dos outros clubes de tão bons e fortes que nós somos. Para quem leu os livros da MAFALDA do cartoonista argentino Quino (se não leram deviam ter lido), é quase como estarmos na pele do Manelinho no primeiro dia de aulas, sentado na sua secretária na sala de aula a pensar: " A professora é nova, não conhece ninguém, ela olha para mim e até pode pensar que eu Manelinho, sou o melhor aluno da turma! Ahahah! Isto é Incrível!" Até que o Manelinho abre a boca para responder a uma pergunta e a partir dai a vida na escola volta à mesma rotina monótona de sempre.
Isto tudo para dizer que não são os jogadores que fazem um clube, nem sequer é um estádio que faz um clube, um clube é um entidade não palpável. A paixão e a ligação a essa entidade é inquebrável.

Isso leva-me a questionar: O que aconteceria se conseguíssemos realmente mudar de clube aos 35 anos?
O mundo desabava! Seria o caos! Ninguém se entendia, acabavam-se os jornais desportivos, convertiam-se os 10 estádios em hospitais e centros desportivos abertos ao público, os homens começavam a ver as telenovelas (da TVI) e a dividir as tarefas caseiras com a mulheres, o Dia Mundial da Mulher não faria sentido existir, o Pai Natal deixava de beber Coca-Cola, o Papa tirava umas férias e o Santana Lopes queria ser Papa em vez do Papa.
É tão impossível como um heterossexual por em prática a decisão:
"Fartei-me! Quando fizer 35 anos vou começar a gostar de homens e a andar à caubói!".

Jean Paul Sartre


p.s.
Links imprescindíveis para coleccionadores das cadernetas de cromos da bola dos anos 80: 1 e 2

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