terça-feira, 19 de julho de 2005

O verdadeiro Surdo

quarta-feira, 13 de julho de 2005

Rogério, o caranguejo daltónico - compilação com continuação I

Rogério, o caranguejo daltónico

Nas distantes praias de um qualquer pais tropical vivia uma larga colónia de caranguejos. Embora todos eles tivessem diferentes particularidades, interesses e personalidades, este relato foca apenas algo que se aconteceu numa soalheira tarde Julho a um caranguejo chamado Rogério.

Antes é necessário um breve esclarecimento sobre caranguejos, destinados aqueles que não estão familiarizados como esta curiosa espécie. Os caranguejos são animais com uma visão apurada. Isto deve-se a longo processo de evolução e selecção natura que dispensarei de abordar neste momento. Este forte sentido permite-lhes identificar rapidamente e a alguma distância qualquer perigo que se aproxima por terra, água ou ar. Esta visão, que é suportada por dois olhos salientes da casca e ligeiramente elevados. Assim os caranguejos podem espreitar das suas tocas, onde ficam a salvo da maioria de perigos, e sair apenas quando não haja sinal de perigo. Como os caranguejos dizem: “quando a costa está livre!”.
Alem disso, e sem que acrescente nada à esta estória, havia essencialmente dois tipos de caranguejos: os pretos (que vivam nas rochas) e os amarelos claros que viviam na areia. O nosso amigo Rogério era desta segunda espécie.

Rogério vivia numa bela praia de areias claras, acompanha por preguiçosos coqueiros. Os seus dias eram bastante simples: abrigado no seu buraco na areia, que o ajudava a manter fresco, saia rapidamente para caçar outros animais, que fossem mais pequenos que ele, e evitava os animais maiores que ele. Em geral os animais que por lá existiam eram pequenos e nutritivos pulgões, e, em menor quantidade alguns humanos.

Faço aqui uma pausa para esclarecer que para esta colónia de caranguejos não existiam esta complexas definições. Limitavam-se a perceber o que era comida e o que era ameaça. Os caranguejos gostam de manter as coisas simples.

Estes humanos, ou ameaças para os caranguejos, dividiam-se essencialmente em dois tipos. Os naturais e os turistas. Não que os caranguejos tivessem esta definição tão complexa, pois os seu conhecimento de geografia não está assim organizado e é mais limitado ás redondezas onde vivem. O caranguejos são essencialmente práticos.
Ultimamente os humanos turistas eram mais numerosos, uma vez que com desconhecimento da grande maioria dos caranguejos tinha sido construída uma pequena colónia turística junto daquela praia.

Para os caranguejos isto não fazia grande diferença, excepto que este humanos eram mais dificilmente identificados, pois confundiam-se mais facilmente com a areia. Também por esta altura, Rogério ganhara a fama de ser destemido, pois deixava-se ficar muito próximo deste humanos-ameaça novos.

Rogério pelo seu lado começara a estranhar que todos os outros caranguejos era mais medrosos, pois fugiam sem razão aparente. Associava o pensar nisto a ser causa de distracção e isso explicava os sustos que apanhava.

Um dia, estando escondido num buraco com o seu amigo Cardoso, preparava-se para sair e este agarrou bruscamente:
-ó Rogério pá, tu andas um granda maluco! Então vês esta ameça aqui perto?
Rogério estranhou e olhou não vendo nada:
- onde men? Não vejo nada. Estás maluco Cardoso?
- Não pá, aqui mesmo á frente! Uma daquelas ameaças andantes grandes clarinhas!

Observando melhor, Rogério conseguiu perceber algum movimento.
-eh pá! Tenho apanhado cada susto com estes gajos! Não se vêem quase!
O Cardoso veio espreitar melhor
-Não se vêem men? Estás parvo! Vê-se perfeitamente! São dois, e dos grandes, men!
Rogério voltou a confirmar e pouco via.
-Ó Cardoso, tu estás a dizer-me que vês sito perfeitamente? Não os confundes com a areia men?
-eh pá! Perfeitamente! Topo os tipos na boa. Olha agora já dá p’ra sair! ‘bora lá caralho!

Este episódio marcou profundamente Rogério, e nesse dia alheando-se das suas tarefas diárias de procurar comida, ficou pensativo. Não ficou perdido em tristeza por não ser tão bom como o Cardoso, não ficou pensativo preocupando-se na fraqueza que a sua prole teria e que isso poderia ser causa de selecção natural (não que fosse um don juan, mas o Rogério tinha algum sucesso entre as caranguejas...), nem pensou muito sobre o seu daltonismo, até porque desconhecia o que isso é (a medicina dos caranguejos é bastante primitiva).
Nessa tarde e noite Rogério debateu-se a pensar que não via o mundo como o Cardoso, e que provavelmente nenhum dos caranguejos veria o mundo que os rodeava de forma de igual. Esta ideia algo absurda tornava-se para ele fascinante.....

CAPÍTULO 2

Paulo acordara cedo. Nem o mal-estar provocado pelos excessos da noite passada o mantiveram deitado. Entre as pulsações da dores da enxaqueca ouvia o sussurrar das palavras da sua avó Arminda: «Antes doer a cabeça que o coração, rapaz!». Sorriu, largando um olhar estremunhado para a luz que entrava pela janela do quarto. O sol ainda não havia despontado.

Já na praia, o cheiro a mar, a brisa amena e o fresco da areia pareciam-lhe dizer que tudo estava bem. Os episódios de ontem pareciam memórias vagas de um sonho há muito esquecido. Como que levado pela imensidão do azul do mar, caminhou para a água.

Junto à espuma, um caranguejo amarelo parecia olhá-lo sem o ver. Que ironia - «...nem mesmo eu tenho a certeza.» Era assim que se sentia.

Após alguns minutos a cheirar o mar e sentir o fresco da manhã, Paulo sentia-se mais com mais energia. Foi como se recuperasse toda a lucidez perdida na noite anterior. Parecia que tinha dado um passo em frente, num sentimento que misturava uma sabedoria mais madura e um entusiasmo juvenil. Com essa disposição sentou-se na areia húmida da manhã, e com os cotovelos pousados nos joelhos apoiando o queixo nos braços contemplou, com uma simpatia infantil o pequeno caranguejo que parecia olha-lo sem o ver. Estranhamente sentia-se próximo e amigo daquela pequena criatura.

Do outro lado Rogério, permanecia envolvido naquela ideia absurda mas que o fascinava. Activo desde mais cedo que os resto dos caranguejos, não dedicara as primeiras horas de luz à habitual busca incessante de comida, preferira ficar na areia concentrando-se no que via, tentando perceber como surgiam esses vultos (quase) invisíveis.
Por esta altura Rogério conseguira identificar Paulo. Resistira ao instinto de correr ao seu buraco, e abstendo-se de tudo mais (que loucura!) observara ele sentar-se à sua frente. Parecia que ele mesmo o estava olhar. “será que este também não me vê?” Esta pergunta estranha, nuca havia pensado em tal coisa, ocorreu-lhe à mente. E outra mais estranha ainda: “o que verá este ser aqui sentado?”. Rogério absorveu-se nesta ideia intensamente. Observava Paulo, a estranheza do corpo, a sua estranha expressão observando-o. “estaria mesmo a observá-lo?” “que pensaria ele?” “quem seria ele?”.
De repente, concentrando-se fortemente na imagem que observava, sentiu com que saísse pelos olhos em direcção aos de Paulo com um relâmpago viajando.

Num movimento brusco o corpo de Paulo caiu para trás. Deitado sobre as costas de braços abertos, cerca de um metro acima de onde antes estava sentado. Parecia um Cristo inconsciente deitado na areia branca. Lentamente abriu os olhos, e através destes olhos observava agora Rogério as pequenas nuvens brancas no céu azul da manhã sentindo a estranheza de um corpo que não era o seu...

Ao olhar os pequenos olhos de Rogério sentiu um forte empatia com o animal, sentiu-se a caminhar pelo seu próprio corpo dentro duma frágil carapaça e munido de pequenas tenazes. O caranguejo pelo seu lado arrependeu-se da sua aventura e repugnou-lhe o corpo hirsuto de Paulo que se confundia com a areia. Parecia aqueles cadáveres de alforrecas que o Cardoso gostava de pisar e comer. Quis fugir, mas a mão enorme de Paulo deteve-lhe o impulso.

- Anda cá pequeno caranguejo – onde vais tu?

Rogério não percebendo o que Paulo lhe dizia, sentiu que ia morrer.

Paulo, pelo seu lado, não sabia pensar. Queria pensar como antes, mas só pensava em comida e caranguejos. Caranguejos. Num breve lampejo duma memória que lhe parecia muito distante, suspirou:
-mas... eu sou sagitário...

Entretanto em redor destes dois a colónia de caranguejos vivia estes momentos com quase tanto terror como Rogério. ali perto, a menos de dois metros atenezavam-se dois caranguejos como medo de serem os próximos. O caraguejo de baixo era o Cardoso. Não via nada do que se passava, apenas ouvia o que relatava o seu amigo Julio.
-oh Cardoso, desta é que o teu amigo se foi men!
-atão meu! qué que se passa? -gritava cardoso abafado no buraco
-o tipo grande sacou-o men... também o Rogério esticou-se... estava ali tipo mosca morta a olhar par o nada..
-mas ele apanhou-o?... sai lá, pá deixa ver!
Cardoso tentava perceber o que se passava, mas Júlio estava à sua frente impedindo-o de espreitar da toca. Com a excitação Cardoso empurrava Júlio para poder espreitar.
-Calma lá men!-retorquia Júlio- não me empurres... eu não quero ser o próximo...
-Então deixa ver pá... sai lá por um instante e vem cá para baixo!
-´tás maluco? achas que vou sair agora? ainda por cima ir para ai cheirar o tu cu! foda-se...
-eh pá, ó Júlio deixa-te de merdas! o Rogério está ali á rasca e tu vens com essas merdas! ou sais e deixas-me passar ou empurro-te daqui para fora!
Júlio um pouco intimidado, mas com medo de sair replicava:
-eh mas tu vais fazer o quê? vais lá e arrancas uma perna ao manel? foda-se quando há perigo o truque é ficar na cova, não é ir armar-nos em heróis! já viste o tamanho do bicho?
Com isto júlio segurava-se nas bordas da toca com as duas tenazes, tornando infrutiferas as tentivas do cardoso o empurrar. Cardoso desistiu de o empurrar e começou a escavar para o outro lado para chegar á superficie pois o buraco onde estavam era pouco profundo.
Júlio em panico começou a gritar:
-não faças isso que o buraco desmorona-se e ficamos os dois desprotegidos!
cardoso não queria saber, precisava de ver o que se passava, e nada iria impedir isso.
Após algums esforço surgiu na superficie num movimento nervoso e rápido. Logo ao lago a outra ponta da toca onde Júlio se abrigava cobardemente. Surgiu e espreitou, vendo Rogério sobre a palma da mão de Paulo. Pousava sobre a sua mão parado. Estava vivo, mas Cardoso pensou que era o seu fim...


CAPÍTULO 3

João, no carro, punha o rádio ainda mais alto. Tentava, com a música aos berros, abafar a torrente de pensamentos que o atormentavam desde ontem.
Ainda não tinha dormido. A realidade parecia distante. «Como pode ele deitar a perder anos uma relação de anos por uma mera casmurrice?», surgia-lhe de vez em quando. Tudo à sua volta o fazia pensar nele: a merda do cheiro a pinheirinho que ele tanto fazia questão, o São Cristóvão de plástico para proteger nas viagens, os «naperons» a chapeleira... Sim, Paulo tinha um gosto foleiro, mas era também o seu melhor amigo. Pelo menos havia sido, até à noite passada.

De novo punha o rádio ainda mais alto tentando calar as ideias que lhe surgiam à mente. Tentava ver Paulo como o seu melhor amigo, mas então o que tinha sido aquilo ontem á noite? uma loucura de amigos? ou será que agora Paulo era agora seu namorado? seria isto incompativel com ser o seu melhor amigo?
de novo João tentava por o rádio umpouco mai alto. não dava, estava no máximo, e então descarrava isso tudo no pedal do acelerador, rugindo enraivecido pela estrada pacata de uma manhã de Julho.

Paulo por seu lado estava fascinado com o o que sentia por Rogério que estava ali na sua mão e inconscientemente passava tentava com a sua mão tocar em todas as arestas e vertices da pequena e frágil carapaça de Rogério numa vâ tentativa de chegar ao que o caranguejo tivesse de mais parecido com alma dos humanos.
Rogério começou a ficar assustado e usou as suas tenazes nas mãos de paulo que num impulso largou Rogério, que se estantelou na areia húmida da praia

-Filho da puta do caranguejo hã!!! Tão pequenino e já tão ordinário!!!

Paulo rapidamente se levantou e preparava-se para pisar o caranguejo num misto de raiva e tristeza.

Mas quem era Paulo? Rogério? Rogério no Paulo? Paulo no Rogério? Rogério no Paulo, forma abreviada de dizer Rogério no corpo de Paulo, nunca poderia esmagar o cabrão do caranguejo. Apesar da raiva, ainda os via como sendo dos seus. Paulo no Rogério, forma também abreviada de dizer Paulo no corpo de Rogério, ainda que assustado, sentia, pela primeira vez na sua vida, poder. Em criança sempre havia tido um fetiche por tenazes - segredo que nunca tinha contado a ninguém.

«TENAZES! TENAZES!», pensava. Se, por um lado, estava todo confuso com a mudança, por outro, sentia-se excitado. Não daquelas excitações de retórica, mas excitação sexual, da pura. Queria era correr pela praia e espetar com as tenazes - AS TENAZES - em carne tenrinha. «Agora é que quero ver se eles me fogem...», pensava ele já pouco preocupado com a estranha mudança de corpo.

Rogério no Paulo, entretanto, também já não pensava muito mais na troca de corpos. Tal como referimos anteriormente, Os caraguejos (mesmo quando presos em corpos de humanos - tal como constatam agora os cientistas que acompanham esta estória) não pensam em muita coisa. Caranguejos e comida - e em reprodução, ocasionalmente. Assim sendo, Rogério no Paulo começa a correr praia fora, à procura de um buraco (suficientemente grande) para se esconder. Primeiro de quatro, depois sobre duas pernas. Entretanto passam por si duas jovens a caminho do mar. Paulo pára e olha para elas. Olha para o sol. Olha para a areia. Dentro de si o mais forte apelo da natureza - REPRODUÇÃO.

domingo, 10 de julho de 2005

Desculpas esfarrapadas

Sempre achei piroso aquelas postas que dizem:
«Desculpem lá, mas não tenho podido postar porque...»

Pois agora aconteceu-me a mim.

Desculpem lá, mas não tenho podido postar porque...

sábado, 9 de julho de 2005

Graças à seca, agora até já sinto remorsos quando bebo água...

sexta-feira, 8 de julho de 2005

E se, numa qualquer madrugada de nevoeiro, aparecesse, por fim, o D. Sebastião?

Ia ser tão aborrecido explicar-lhe que isto é agora uma república...

O meu avô achava que o Beethoven era um agricultor famoso...


É que toda a gente o conhece pela sua quinta.

quarta-feira, 6 de julho de 2005

Às vezes sinto que sou um personagem fictício. Noutras limito-me a tirar partido disso.

sexta-feira, 1 de julho de 2005